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sábado, 19 de maio de 2012

A Liberdade Guiando o Povo, um marco do combate social


O quadro La Liberté guidant le peuple (A Liberdade guiando o povo, em português), pintado em 1830 por Eugène Delacroix, pode ser considerado um poderoso ícone das revoluções ocorridas durante o final do século XVIII e primeira metade do século XIX e das lutas das camadas populares pela tão sonhada igualdade.

Contextualizada num quadro social de grande miséria da população (contexto este que influenciou Victor Hugo na obra Os Miseráveis), as revoluções trouxeram o povo para as ruas com o objetivo de lutar pelos seus direitos, pela quebra das regalias do rei, da nobreza e do clero; os burgueses, camponeses e os sans-culottes - artesãos, trabalhadores e pequenos proprietários, todos aqueles que não vestiam os culotes, calções típicos da nobreza - agora eram guiados rumo à tomada do poder. Tal movimento começou durante a Revolução Francesa de 1789 com a derrubada de Louis XVI e da Dinastia de Bourbon; porém, com o movimento chamado Restauração francesa, ocorrido entre 1814 e 1830, a soberania monárquica dos Bourbons e os privilégios da Igreja Católica e da nobreza foram restabelecidos. O governo impopular de Charles X e seu ministro Polignac, renegou as conquistas da grande Revolução e desafiou a Constituição suprimindo a liberdade de imprensa e modificando as leis eleitorais. Eclodiu, então, durante três dias, Les Trois Glorieuses - 27, 28 e 29 de julho de 1830 - outra revolução social: a Revolução de Julho.

O quadro mostra a insurreição das classes oprimidas, uma multidão de homens e jovens com armas e espadas nas mãos, surgindo de uma nuvem de poeira e fumaça, derrubando as barricadas e vindo implacável ao encontro do espectador, um garoto com pistolas nas mãos e um grito de guerra na boca, avançando sobre o pé direito e exortando os companheiros à batalha; tudo ganhando uma enorme força na representação de uma revolta irrefreável. Porém, a principal protagonista da obra é a Liberdade, representada por uma mulher, trazendo os corpos dos soldados adversários mortos aos seus pés. É bastante chamativo a forma como ela é retratada: uma filha do povo, nascida do povo, viva, determinada e impetuosa, incarnando a revolta, surgindo da sombra para a luz como uma chama e segurando a bandeira francesa como um símbolo de luta, ela volta o rosto para seus companheiros de forma a chamá-los e guiá-los à vitória final. A Liberdade aqui, usando até um fuzil, é uma alegoria com visão moderna, atual e real.

A paisagem da pintura possui um interessante contraste, de certa forma até barroco, entre a luz do sol e a fumaça das armas. O sol se faz brilhar ao fundo, construindo uma aura para a Liberdade, para a bandeira francesa e para o garoto. As cores da bandeira, azul, branco e vermelho, aparecem em vários momentos em contraponto, como na roupagem do homem de lenço amarrado sobre a cabeça, olhando fixamente para a Liberdade e nas vestimentas do soldado morto à direita. É interessante notar também as torres de Notre-Dame bem ao fundo, símbolo da liberdade e do romantismo (Delacroix era um dos líderes da era romântica das artes plásticas francesa). Elas parecem longe e pequenas em relação às figuras do primeiro plano.


                                                   Foco das Torres de Notre-Dame que aparecem ao fundo do quadro   

Eugène Delacroix mistura história e ficção, realidade e alegoria, nesta obra-prima que é uma glorificação dos cidadãos comuns, símbolo da liberdade e da revolução pictórica, e testemunha do último suspiro do Antigo Regime na França. Evocando a soberania do povo, a imagem traz o entusiasmo romântico e revolucionário da pintura histórica do século XVIII.

Texto parcialmente traduzido do site L'Histoire Par L'Image.


Douglas P. Coelho

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