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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Carlos Drummond e o poema da empatia - Parte 1

Carlos Drummond de Andrade, um dos mais célebres poetas brasileiros, se notabilizou pela sua poesia lírica das suas primeiras obras onde cantava o amor e outros sentimentos que povoavam seu espírito. Porém, à medida que o mundo se transfigurava em algo absolutamente ameaçador em meio às guerras, fome e afrontas aos direitos do homem, Drummond redirecionava sua poesia para o social, para um "eu menor que o mundo". Seus dois livros mais notáveis desta fase foram Sentimento do Mundo (1940) e a Rosa do Povo (1945). Nesse primeiro post, vamos comentar um pouco sobre o primeiro.

A poesia agora empática e altruísta de Drummond já se manifesta no título do livro, Sentimento do Mundo, um prenúncio de que o tempo presente obrigava o autor a voltar o olhar sobre as barbaridades do "novo mundo" e para as necessidades dos homens. Nele contém temas como crítica à burguesia pela sua passividade frente aos horrores e às injustiças contra as classes oprimidas, o medo e tensão causados pela presença quase física da guerra, a conformidade do trabalhador em face da impossibilidade de reverter sua situação (de "dinamitar a ilha de Manhatan", na metáfora de Drummond), mas principalmente a transformação que o mundo sofreu e a consequente mudança de atitude do poeta.

Já no poema de abertura, poema homônimo ao título do livro, há a contrição pela demora em enxergar o mundo a sua volta: "Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado (...) Os camaradas não me disseram que havia uma guerra (...) humildemente vos peço que me perdoeis"; pode-se interpretar pela palavra "camaradas" como alusão aos outros poetas que, como ele, não se preocupavam, até o momento, em falar sobre as guerras, o medo e a miséria - este significado volta à tona no último poema, Mundo Grande com a palavra "amigos" no penúltimo parágrafo.

A percepção da transição da paz para a destruição é tratada claramente em Lembrança do Mundo Antigo:
"Clara passeava no jardim com as crianças.

O céu era verde sobre o gramado,

a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.
As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das onze horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!"
O antigo mundo de Clara era também o antigo mundo em que o poeta escrevia suas poesias líricas sobre o "eu". No poema Mãos Dadas, ele decreta: "Não serei poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. (...) Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins"; ao invés de poesia "entorpecente" ou subjetivamente pessimista (cartas de suicida), ele prefere cantar o tempo presente e dar as mãos com os homens de seu tempo: "Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas".

O último poema é um grande resumo de todo o resto do livro e talvez o mais simbólico em se falando de direitos humanos - considerando que este tem por base a empatia; o "mundo grande" maior do que o "coração do poeta" é a reafirmação de sua nova poesia. Ele fala de outros poetas que como ele fugiram de suas "ilhas" para anunciarem que "o mundo tá crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor"; o poeta que cresceu junto com seu coração para abrigar as dores dos homens agora escreve versos contundentes para nos levar a refletir sobre nossa posição frente à identidade do outro: "estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas. (...) Outrora escutei os anjos, as sonatas, os poemas, as confissões patéticas. Nunca escutei voz de gente. Em verdade sou muito pobre".

Douglas P. Coelho


Clique em cima dos nomes para ler os seguintes poemas na íntegra (não se esqueça, é claro, de que ler o livro na íntegra é o mais adequado):

Mãos Dadas - com áudio do Drummond recitando o poema
Mundo Grande - com áudio do Drummond recitando o poema

2 comentários:

  1. Drummond é sempre demais, os Poemas da Rosa do Povo também tem muito a ver com o tema do blog, vc conhece? Abs, Macondo

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  2. A Rosa do Povo é outro grande livro dele, vai ser tratado na segunda parte desse post em breve.

    Obrigado pelo comentário.

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