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sábado, 15 de setembro de 2012

Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf


Como resultado de uma opressão histórica acometida por séculos, o final do século XIX e início do século XX viu emergir um incipiente movimento de liberação feminina. O feminismo ganhou diversas formas, como agremiações políticas formadas por mulheres para reivindicar seus direitos e o feminismo artístico, do qual está inserida a grande Virginia Woolf e algumas outras predecessoras das quais ela aclamou em seu livro "Um Teto Todo Seu", publicado em 1929. Antes de começar a comentar sobre o livro, falemos um pouco sobre o movimento feminista.

O feminismo trouxe aos poucos uma série de avanços para as mulheres dentro da sua convivência na sociedade, do qual pode-se destacar o direito ao voto e à propriedade privada - o primeiro sendo alcançado nove anos antes do livro de Virginia vir a ser lançado e o segundo reclamado no mesmo livro -, o direito a salários igualitários, além é claro de autonomia da sua vontade e proteção no que diz respeito à integridade física e moral. E tudo isso reflete em mais um fator específico: a facilitação da possibilidade para a mulher adentrar no campo da arte e da literatura, o que antes era praticamente impossível, visto que devia cuidar das tarefas caseiras, dos filhos e do marido, além de que seu talento era menosprezado e desacreditado.

Este fato, das dificuldades que as mulheres encontravam para exercer o seu talento literário e artísticos é explorado por Virginia na criação de uma figura, Judith, a hipotética irmã de Shakespeare. A autora escreve que Judith tinha os mesmos dons literários que o irmão, a mesma aptidão, só que com um porém: como mulher, deveria estar ocupada com outros afazeres, domésticos, e se tentasse se dedicar a escrever seus versos e suas histórias, seria automaticamente repreendida pelo pai. Virginia escreve:
"Um gênio como o de Shakespeare não nasce entre pessoas trabalhadoras, sem instrução e humildes. Não nasceu na Inglaterra entre os saxões e os bretões. Não nasce hoje nas classes operárias. Como poderia então ter nascido entre mulheres, cujo trabalho começava, de acordo com o professor Trevelyan, quase antes de largarem as bonecas, que eram forçadas a ele por seus pais e presas a ele por todo o poder da lei e dos costumes? Não obstante, algum talento deve existir entre mulheres, como deve ter existido entre classes operárias." (WOOLF, 1985. p. 61-62) 
Woolf chega à conclusão de que "a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo dela se pretende mesmo escrever ficção", exorta as outras mulheres a buscar e ansiar pela sua emancipação financeira e autonomia de vida. Essa necessidade é julgada necessária ao se observar o crescimento da literatura de produção feminina após o século XVIII, sendo ampliada no século XIX até desembocar na época vivida pela autora. Virginia também enxergava a oportunidade desigual a que chegava para homens e para mulheres no que tange à educação e acesso a livro do cânone literário, o aprendizado de latim para leitura de Homero, Virgílio, Ovídio e outros nomes da Antiguidade. O caminho que a mulher era obrigada a percorrer deveria ser modificado de compromissos domésticos ao casamento, para o que ela própria talhasse.

"Um Teto Todo Seu" é um poderoso ensaio crítico, originalmente utilizado, em forma mais compacta, em palestras administradas pela própria Virginia Woolf para um público feminino na Sociedade das Artes, em Newnham. Unindo ficção com acontecimentos reais, sua relevância para o contexto da época e, por que não, para os dias de hoje ainda, é algo transformador, esclarecedor da condição feminina e convidativo para a reflexão e para a mudança.

Douglas P. Coelho

Referência Bibliográfica:
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Nova Fronteira, 1985.

Você pode ler o ensaio completo clicando AQUI.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O Cidadão Desconhecido, de W.H. Auden

Wystan Hugh Auden foi um importante poeta anglo-americano que possuía um perfil bastante contestatório. Auden escrevia sobre vários temas que incomodavam a opinião pública e o governo, falava sobre guerras, a burocracia moderna, bordéis e sexualidade. Homossexual assumido e integrante de políticas socialistas de esquerda, deixava transparecer, mesmo que implicitamente, esses temas em sua poesia. Porém, depois que atingiu certa idade, Auden se converteu ao Catolicismo, dando mais espaço à religião na sua obra.

Em um de seus poemas mais conhecidos, O Cidadão Desconhecido, ele trata da padronização e burocratização do mundo contemporâneo. A palavra "desconhecido" pode ser considerada irônica, já que toda a vida do cidadão é descrita no poema através de informações de empresas, institutos, órgãos e imprensa, o cidadão é desconhecido pelo nome, mas sua vida é bastante comum à dos outros e bastante controlada pelas ferramentas do meio onde vive. No final, ele crava uma frase arrebatadora: "Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda: se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido".

Para ler o poema traduzido para o português por João Ferreira Duarte, clique AQUI.

Douglas P. Coelho

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A versão cinematográfica de Madame Bovary por Claude Chabrol


Madame Bovary é um dos maiores romances da literatura francesa, escrito por Gustave Flaubert e publicado em 1867. A obra é bastante emblemática em vários contextos: é apontada como uma das precursoras do movimento realista na literatura mundial; foi uma obra à frente de seu tempo, causando um enorme estarrecimento no público da época; e ainda trouxe um dos primeiros personagens que servem de símbolo da resistência feminina diante de uma sociedade patriarcal e machista. E isso sem dizer que Emma Bovary, a personagem que dá o título à obra, foi fonte de inspiração para outras personagens posteriores, como Capitu em Dom Casmurro de Machado de Assis na literatura e Séverine Serizy de A Bela da Tarde no cinema, obra de Luis Buñuel com interpretação de Catherine Deneuve.

E falando de cinema, o romance de Flaubert ganhou, em 1991, a sua adaptação para as telonas. O responsável pelo desafio foi Claude Chabrol, um dos maiores cineastas franceses e integrante do inovador movimento da Nouvelle Vague. A atriz escolhida para viver Emma Bovary foi Isabelle Huppert, também um ícone da Sétima Arte na França. Unindo a literatura e o cinema, duas artes nas quais os franceses sempre foram conhecidos como pioneiros e como potência, o resultado não poderia ser diferente: a obra de Chabrol terminou como magnífica e honrou a original, apesar das dificuldades que se tem em transportar uma história de um tipo de arte para outro.

O enredo se desenvolve sobre o momento em que Emma morava com o pai, passando pela sua ascensão social ao se casar com um médico - Charles Bovary - e vai caminhando até seu final trágico. Mas ao contrário do que se poderia imaginar no início da obra, com o aparente interesse ganancioso de Emma em se casar apenas por elevação de status social, a mesma não se submete à hierarquia masculina e ao invés disso tenta a todo custo e como pode, buscar a satisfação pessoal em detrimento ao que a sociedade espera. Após se casar com o médico, passa a desprezá-lo pelo seu conteúdo raso, suas conversas superficiais e seu conformismo; enquanto Charles estava pleno com sua vida na província, Emma aspirava a vida da grande cidade e seus bailes. Então, infeliz no casamento, ela busca primeiramente uma fuga para a literatura, mas após ter lido todos os livros e romances que poderia, passa a se envolver com amantes. Com dois deles, Rodolphe e Léon, ela encontra o que desejava: com o primeiro, os galanteios e os arroubos de uma paixão amorosa tórrida; com o segundo, as mesmas paixões pelas artes, literatura e música, através de um homem com o espírito não tão vazio como o do marido. Porém, em meio aos seus casos secretos, Emma vai despendendo extravagâncias luxuosas com o dinheiro de Charles - outra forma que encontrou de depositar seu desdém por ele, comprando objetos até para seu amante -, e aos poucos, por meio de dívidas, acaba tendo que procurar ajuda a terceiros.

A obra traz além críticas destinadas à burguesia, à nobreza e ao clero, alvos preferidos dos escritores realistas. A igreja é posta como decadente e desacreditada, a nobreza e a burguesia como cobiçosas e alheias ao que não é de seus interesses. No que se refere à história literária, esta gerou grandes problemas para Flaubert, que foi processado pelo governo francês por ofender a moral e a religião, contexto em que declarou a frase "Emma Bovary sou eu".

Douglas P. Coelho
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