Moacyr Scliar é um importante nome das letras brasileiras da época contemporânea; sua obra é versátil e transita entre romances, contos, novelas, crônicas e literatura infantojuvenil. Mas no que concerne à temática, sua dedicação à questão dos direitos humanos e da igualdade é exemplar, principalmente quando o assunto é a realidade judaica (cultura na qual o autor nasceu e cresceu). Neste post será tratado o seu artigo "A Formação e a Convivência Multiétnicas no Brasil e o Mito de sua Cordialidade".
Em seu texto, Scliar faz um paralelo das situações vividas e presenciadas ao longo de sua vida com o panorama geral do preconceito e intolerância no Brasil desde sua origem até os dias atuais. Em relação às suas experiências, ele volta na época em que frequentou um colégio católico após terminar seu curso primário; relata episódios de preconceitos sofridos por ele - um judeu - e por um menino negro. Situações que são, infelizmente, comuns, como acusar um negro de ter feito algo sem haver provas reais do que foi acusado, tal como julgamentos mais duros unicamente pelo fato de ser negro. E, pelo lado do judeu, decretar de imediato que ele está predestinado a ir para o inferno durante a "eternidade" e que somente pode alcançar o purgatório no caso de fazer boas ações e agir honestamente enquanto vivo.
Já no que diz respeito à linha histórica traçada pelo autor, ele conta desde os impropérios cometidos contra os indígenas até a opressão sofrida por negros e mulatos. A matança promovida contra os índios é uma das páginas mais sujas da nossa história, quando os europeus dizimaram os habitantes que aqui viviam através, dentre outros meios, de doenças que os nativos não conheciam e que eram espalhadas no meio de seu povo. Scliar remete a opressão de negros e mulatos como o segundo episódio de intolerância na história brasileira: eram trazidos como escravos, tidos como animais e não seres humanos, sem alma e doentes por causa da sua cor. E para quem acha que a calamidade acaba por aí, ainda havia um nome de doença para os que tentavam fugir da sua deplorável situação: "drapetomania", a mania de fugir da escravidão; e, conta Scliar, que os médicos tratavam dessa suposta "doença" amputando os dedos dos pés dos fugitivos para que os forçasse a permanecer. Já em relação aos mulatos, estes eram tidos como portadores de patologias físicas - como a tuberculose - e psicológicas que os levavam à bebida e ao suicídio, por exemplo; mas ninguém parecia suspeitar que isso era devido às suas condições sociais, que os ambientes em que viviam eram tão promíscuos que a transmissão de doenças como a tuberculose era facilitada, assim como a opressão social em que viviam facilitava suas tendências de fraqueza psicológica. Esse tipo de condicionamento social pode ser visto até hoje de várias formas e entre vários tipos étnicos e sociais.
Scliar também toca em dois pontos importantíssimos: um deles é algo que poucas pessoas falam, e se refere à reciprocidade da intolerância, pois muitas vezes os próprios grupos oprimidos se fecham e não se permitem o contato e a convivência com o exterior, rejeitando até mesmo os membros do seu próprio grupo que se prestam a esse conhecimento, algo que deriva, talvez, do anseio exacerbado em afirmar sua identidade, permitindo a essas pessoas que olhem o mundo somente através de uma ótica reduzida em consequência de sua opressão. O outro fator é a motivação da intolerância, esta que não advém apenas da incompreensão dos sentimentos e anseios alheios, mas também e principalmente vem à serviço de mecanismos de controle social, político e/ou econômico; o massacre de índios, judeus e negros são dos maiores exemplos dessa observação, já que seus povos foram trucidados por serem considerados um inconveniente à economia e à soberania dos opressores. Entretanto, é sempre importante salientar que essa ameaça é apenas ilusória, que só se passa aos olhos dos privilegiados amedrontados e gananciosos, sedentos por terem sua liberdade e regalia se sobrepondo à igualdade.
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Moacyr Scliar nasceu em 23 de março de 1937 na capital Porto Alegre e morreu em 27 de fevereiro de 2011 na mesma cidade. Amigo próximo do também escritor e cronista Luís Fernando Veríssimo, suas principais obras são os romances O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim, ambos narrando histórias e conflitos de personagens judeus. Sua importância no cenário literário brasileiro lhe rendeu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, sendo eleito para tal no ano de 2003.
Douglas P. Coelho