François-Marie Arouet, dit Voltaire, nasceu dia 21 de novembro de 1694, provavelmente em Châtenay, arredores de Paris. Por ser um menininho muito franzino, sua morte antes de completar um mês era dada como certa, exatamente o mesmo destino de inúmeros recém-nascidos durante o reino de Luís XIV.
A família providencia o batismo e, em seguida, deixa-lhe a cargo de uma ama de leite, que cuidará do pequeno François em um andar separado dos familiares. Não havia nessa atitude nenhuma desumanidade dos pais do menino - agiam de acordo com os costumes da época. Aceitava-se a morte de um recém-nascido como a de um idoso e, assim, só restava esperar.
Durante alguns dias, o prognóstico fúnebre parece confirmar-se. A ama ia todas as manhãs prevenir a mãe que seu filhinho agonizava. O desfecho tardava a ocorrer, até que um dos amigos da família, o abade Châteauneuf, interessou-se pelo pequeno moribundo, fazendo-lhe visitas diárias e tomando as providências necessárias para mantê-lo vivo.
Durante a infância, a adolescência e boa parte da juventude, Voltaire gozou de boa saúde. A julgar por sua correspondência, a primeira carta na qual se percebe que algo o incomoda data de 1722. Em 1723, responde à madame de Bernières que, devido à dor de garganta, não pode enviar uma carta longa. Ainda neste ano, a petite vérole (sífilis) aflige-o, como a muitos parisienses.
Aos poucos, Voltaire esboça a imagem de moi-chétif, um autor de constituição fraca. As moléstias aparecem, sobretudo, nos períodos de dificuldades materiais. Problemas com os credores? Eis o poeta febril - daí uma expressão que aparece amiúde em suas cartas: ma santé et mes affaires ("minha saúde e meus negócios"). Com a saúde definhando, define-se como ayant toujours un pied dans le cercueil, et l'autre faisant des gambades ("tendo sempre um pé na cova e outro dando cambalhotas").
Em 1760, aos sessenta e cinco anos, compra um castelo na cidade de Ferney, um vilarejo no leste da França, onde poderia trabalhar tranquilamente e à vontade para driblar a polícia política. Com inúmeros projetos em andamento, reclamava dos dias curtos demais: Ah comme le temps vole! Les hommes vivent trop peu. À peine a-t-on fait deux douzaines de pièces de théâtre qu'il faut partir - 28 de dezembro 1760 ("Ah, como o tempo voa! Os homens vivem pouquíssimo. Mal fizemos duas dúzias de peças de teatro e é necessário partir").
O "urso da montanha" ou "cego dos Alpes", conforme se autodenominava, queixava-se de vários tipos de afecções oculares, como conjuntivites, terçóis e " oftalmia das neves" que quase o cegava durante o inverno. Vivia às voltas com insônia crônica, zumbidos no ouvido, gota e distúrbios digestivos. Tinha, ocasionalmente, acidentes isquêmicos cerebrais e insuficiência urinária. Devido ao escorbuto, sofria de uma anemia profunda. Dr. Tronchin médico de renome internacional, controlava esses e outros achaques.
Não nos surpreende que tal precariedade de saúde provocasse boatos sobre sua morte. O primeiro deles foi em 1756, seguiram os de 1758, 1760 e 1776, quando contava oitenta e dois anos. Os desafetos espalhavam que o patriarca havia morrido, mas tinham esquecido de enterrá-lo.
Enfraquecido, o grande homem faz a extenuante viagem a Paris para a estréia de sua peça Irene, ocasião em que é aclamado pelo público. As emoções da homenagem o debilitam ainda mais, encontra-se entre a vida e a morte. Desta vez não era rebate falso, expirou no dia 30 de maio de 1778, vítima de câncer na bexiga: contava oitenta e três anos, seis meses e dez dias. Na autópsia, M. Try, cirurgião, retirou-lhe o cérebro - que foi conservado graças às técnicas empregadas pelo farmacêutico Mitouart, que, alías tornou-se célebre graças a essa intervenção. O marquês de Villette, em cuja residência Voltaire faleceu, quis o coração do filósofo, deixando-o em um quarto no castelo de Ferney, comprado pelo marquês. De volta a Paris, em 1783, o marquês de Villette leva o coração para sua residência. Em 11 de julho de 1791, por ocasião do translado dos restos mortais de Voltaire ao Panteão, o cortejo solene fez uma pausa diante do hôtel de Villette, em cuja fechada se lê em grandes letras Son esprit est partout et son coeur est ici ("seu espírito está em toda parte, seu coração está aqui").
Ana Luiza Reis Bedê
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