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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Militância pelo abolicionismo em Castro Alves - Parte 2

Na segunda parte do post sobre a literatura negra engajada de Castro Alves, trazemos mais um poema do autor retirado do livro "Os Escravos", de 1883: "A Canção do Africano".

No poema, o eu-lírico pinta o saudosismo de um escravo e uma escrava para com seu continente de origem; eles entoam um canto em louvor à sua terra e sua alegria e belezas naturais. Mas no final, a doce canção é interrompida pelo medo do escravo de ser surrado pelo seu senhor, caso fosse pego acordado até mais tarde e pelo cuidado da escrava em não acordar seu pequeno filho, do qual tinha medo de perder, sendo ele levado pelo dono do engenho.


A Canção do Africano
Castro Alves

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...

"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!

Douglas P. Coelho

sábado, 26 de maio de 2012

Militância pelo abolicionismo em Castro Alves - Parte 1

Dentro da literatura socialmente engajada do século XIX, um poeta brasileiro se destacou na luta ferrenha pelo direito dos negros escravizados: Castro Alves, o "Poeta dos Escravos".

Uma parcela considerável de sua obra foi voltada para o tema, de forma a ajudar a impulsionar a mentalidade da sociedade da época para a futura abolição da escravatura. Castro Alves cantava não só as atrocidades e injustiças que eram cometidas pelos senhores de engenho para com seus escravos - as agressões físicas e pesadas cargas de trabalho a eles impostas -, mas também o preconceito social que o negro sofria, por vezes até dificultando sua ascensão social, como foi o caso do próprio poeta que por tal razão não conseguiu obter o prestígio que merecia dentro de sua sociedade.

Abaixo, confira a transcrição de algumas partes de um de seus célebres poemas, "Vozes d'África" pertencente ao livro "Os Escravos" de 1883, onde o autor fala pelo povo oprimido e reclama a Deus o fim de seu sofrimento:


Vozes d'África
Castro Alves

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé! ...
Por abutre — me deste o sol candente,
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
(...)
Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
Para ler o poema "Vozes d'África" completo, você pode clicar AQUI.

Douglas P. Coelho

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Um filósofo franzino, doente, entre este e o outro mundo

François-Marie Arouet, dit Voltaire, nasceu dia 21 de novembro de 1694, provavelmente em Châtenay, arredores de Paris. Por ser um menininho muito franzino, sua morte antes de completar um mês era dada como certa, exatamente o mesmo destino de inúmeros recém-nascidos durante o reino de Luís XIV.

A família providencia o batismo e, em seguida, deixa-lhe a cargo de uma ama de leite, que cuidará do pequeno François em um andar separado dos familiares. Não havia nessa atitude nenhuma desumanidade dos pais do menino - agiam de acordo com os costumes da época. Aceitava-se a morte de um recém-nascido como a de um idoso e, assim, só restava esperar.

Durante alguns dias, o prognóstico fúnebre parece confirmar-se. A ama ia todas as manhãs prevenir a mãe que seu filhinho agonizava. O desfecho tardava a ocorrer, até que um dos amigos da família, o abade Châteauneuf, interessou-se pelo pequeno moribundo, fazendo-lhe visitas diárias e tomando as providências necessárias para mantê-lo vivo.

Durante a infância, a adolescência e boa parte da juventude, Voltaire gozou de boa saúde. A julgar por sua correspondência, a primeira carta na qual se percebe que algo o incomoda data de 1722. Em 1723, responde à madame de Bernières que, devido à dor de garganta, não pode enviar uma carta longa. Ainda neste ano, a petite vérole (sífilis) aflige-o, como a muitos parisienses.

Aos poucos, Voltaire esboça a imagem de moi-chétif, um autor de constituição fraca. As moléstias aparecem, sobretudo, nos períodos de dificuldades materiais. Problemas com os credores? Eis o poeta febril - daí uma expressão que aparece amiúde em suas cartas: ma santé et mes affaires ("minha saúde e meus negócios"). Com a saúde definhando, define-se como ayant toujours un pied dans le cercueil, et l'autre faisant des gambades ("tendo sempre um pé na cova e outro dando cambalhotas").

Em 1760, aos sessenta e cinco anos, compra um castelo na cidade de Ferney, um vilarejo no leste da França, onde poderia trabalhar tranquilamente e à vontade para driblar a polícia política. Com inúmeros projetos em andamento, reclamava dos dias curtos demais: Ah comme le temps vole! Les hommes vivent trop peu. À peine a-t-on fait deux douzaines de pièces de théâtre qu'il faut partir - 28 de dezembro 1760 ("Ah, como o tempo voa! Os homens vivem pouquíssimo. Mal fizemos duas dúzias de peças de teatro e é necessário partir").

O "urso da montanha" ou "cego dos Alpes", conforme se autodenominava, queixava-se de vários tipos de afecções oculares, como conjuntivites, terçóis e " oftalmia das neves" que quase o cegava durante o inverno. Vivia às voltas com insônia crônica, zumbidos no ouvido, gota e distúrbios digestivos. Tinha, ocasionalmente, acidentes isquêmicos cerebrais e insuficiência urinária. Devido ao escorbuto, sofria de uma anemia profunda. Dr. Tronchin médico de renome internacional, controlava esses e outros achaques.

Não nos surpreende que tal precariedade de saúde provocasse boatos sobre sua morte. O primeiro deles foi em 1756, seguiram os de 1758, 1760 e 1776, quando contava oitenta e dois anos. Os desafetos espalhavam que o patriarca havia morrido, mas tinham esquecido de enterrá-lo.

Enfraquecido, o grande homem faz a extenuante viagem a Paris para a estréia de sua peça Irene, ocasião em que é aclamado pelo público. As emoções da homenagem o debilitam ainda mais, encontra-se entre a vida e a morte. Desta vez não era rebate falso, expirou no dia 30 de maio de 1778, vítima de câncer na bexiga: contava oitenta e três anos, seis meses e dez dias. Na autópsia, M. Try, cirurgião, retirou-lhe o cérebro - que foi conservado graças às técnicas empregadas pelo farmacêutico Mitouart, que, alías tornou-se célebre graças a essa intervenção. O marquês de Villette, em cuja residência Voltaire faleceu, quis o coração do filósofo, deixando-o em um quarto no castelo de Ferney, comprado pelo marquês. De volta a Paris, em 1783, o marquês de Villette leva o coração para sua residência. Em 11 de julho de 1791, por ocasião do translado dos restos mortais de Voltaire ao Panteão, o cortejo solene fez uma pausa diante do hôtel de Villette, em cuja fechada se lê em grandes letras Son esprit est partout et son coeur est ici ("seu espírito está em toda parte, seu coração está aqui").

Ana Luiza Reis Bedê

sábado, 19 de maio de 2012

A Liberdade Guiando o Povo, um marco do combate social


O quadro La Liberté guidant le peuple (A Liberdade guiando o povo, em português), pintado em 1830 por Eugène Delacroix, pode ser considerado um poderoso ícone das revoluções ocorridas durante o final do século XVIII e primeira metade do século XIX e das lutas das camadas populares pela tão sonhada igualdade.

Contextualizada num quadro social de grande miséria da população (contexto este que influenciou Victor Hugo na obra Os Miseráveis), as revoluções trouxeram o povo para as ruas com o objetivo de lutar pelos seus direitos, pela quebra das regalias do rei, da nobreza e do clero; os burgueses, camponeses e os sans-culottes - artesãos, trabalhadores e pequenos proprietários, todos aqueles que não vestiam os culotes, calções típicos da nobreza - agora eram guiados rumo à tomada do poder. Tal movimento começou durante a Revolução Francesa de 1789 com a derrubada de Louis XVI e da Dinastia de Bourbon; porém, com o movimento chamado Restauração francesa, ocorrido entre 1814 e 1830, a soberania monárquica dos Bourbons e os privilégios da Igreja Católica e da nobreza foram restabelecidos. O governo impopular de Charles X e seu ministro Polignac, renegou as conquistas da grande Revolução e desafiou a Constituição suprimindo a liberdade de imprensa e modificando as leis eleitorais. Eclodiu, então, durante três dias, Les Trois Glorieuses - 27, 28 e 29 de julho de 1830 - outra revolução social: a Revolução de Julho.

O quadro mostra a insurreição das classes oprimidas, uma multidão de homens e jovens com armas e espadas nas mãos, surgindo de uma nuvem de poeira e fumaça, derrubando as barricadas e vindo implacável ao encontro do espectador, um garoto com pistolas nas mãos e um grito de guerra na boca, avançando sobre o pé direito e exortando os companheiros à batalha; tudo ganhando uma enorme força na representação de uma revolta irrefreável. Porém, a principal protagonista da obra é a Liberdade, representada por uma mulher, trazendo os corpos dos soldados adversários mortos aos seus pés. É bastante chamativo a forma como ela é retratada: uma filha do povo, nascida do povo, viva, determinada e impetuosa, incarnando a revolta, surgindo da sombra para a luz como uma chama e segurando a bandeira francesa como um símbolo de luta, ela volta o rosto para seus companheiros de forma a chamá-los e guiá-los à vitória final. A Liberdade aqui, usando até um fuzil, é uma alegoria com visão moderna, atual e real.

A paisagem da pintura possui um interessante contraste, de certa forma até barroco, entre a luz do sol e a fumaça das armas. O sol se faz brilhar ao fundo, construindo uma aura para a Liberdade, para a bandeira francesa e para o garoto. As cores da bandeira, azul, branco e vermelho, aparecem em vários momentos em contraponto, como na roupagem do homem de lenço amarrado sobre a cabeça, olhando fixamente para a Liberdade e nas vestimentas do soldado morto à direita. É interessante notar também as torres de Notre-Dame bem ao fundo, símbolo da liberdade e do romantismo (Delacroix era um dos líderes da era romântica das artes plásticas francesa). Elas parecem longe e pequenas em relação às figuras do primeiro plano.


                                                   Foco das Torres de Notre-Dame que aparecem ao fundo do quadro   

Eugène Delacroix mistura história e ficção, realidade e alegoria, nesta obra-prima que é uma glorificação dos cidadãos comuns, símbolo da liberdade e da revolução pictórica, e testemunha do último suspiro do Antigo Regime na França. Evocando a soberania do povo, a imagem traz o entusiasmo romântico e revolucionário da pintura histórica do século XVIII.

Texto parcialmente traduzido do site L'Histoire Par L'Image.


Douglas P. Coelho

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Palestra sobre Albert Camus

No dia 16 de maio, próxima quarta-feira, será realizada a segunda palestra do projeto "Da tolerância à liberdade: ecos da Literatura Francesa". O título do evento será "Albert Camus e a pena de morte na França", sendo administrada pelo professor Nilson Adauto Guimarães da Silva. O horário será às 15 horas, no Departamento de Letras (DLA) da UFV.

Segue abaixo uma sinopse do que será tratado:

Com o presente trabalho busca-se analisar o posicionamento de Albert Camus ante a pena de morte, vigente na França à época que ele escreve. As idéias do autor sobre a questão se encontram basicamente no ensaio "Reflexões sobre a guilhotina" (1957) e são coerentes com sua concepção filosófica centrada em torno das noções de Absurdo e Revolta, desenvolvidas respectivamente nas obras "O mito de Sísifo" (1942) e "O homem revoltado" (1951).


O evento é aberto não só a estudantes de Letras mas também ao público em geral.
Aguardamos sua participação!

domingo, 6 de maio de 2012

Poema "Le dormeur du val", de Arthur Rimbaud


Arthur Rimbaud foi um poeta francês que viveu no século XIX e escreveu grandes obras da literatura francesa. Aos dezesseis anos, escreveu um poema chamado "Le dormeur du val" que descrevia uma única cena estática de forma belíssima: um soldado morto com dois tiros jazendo num campo verde. Abaixo, confira a tradução do poema e um vídeo com sua interpretação pela cantora Sapho.

Poema traduzido:

O adormecido do vale

Era um recanto onde um regato canta
Doidamente a enredar nas ervas seus pendões
De prata; e onde o sol, no monte que suplanta,
Brilha; um pequeno vale a espumejar clarões.

Jovem soldado, boca aberta, fronte ao vento,
E a refrescar a nuca entre os agriões azuis,
Dorme; estendido sobre as relvas, ao relento,
Branco em seu leito verde, onde chovia luz.

Os pés nos juncos, dorme. E sorri no abandono
De uma criança que risse, enferma, no seu sono;
Tem frio, ó Natureza - aquece-o no teu leito.

Os perfumes não mais lhe fremem as narinas;
Dorme ao sol, suas mãos a repousar supinas
Sobre o corpo. E tem dois furos rubros no peito.

Tradução de Ivo Barroso retirada do livro "Arthur Rimbaud. Poesia Completa - Edição Bilíngue". Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

Resenha de "O direito à literatura" de Antonio Candido

Um dos mais aclamados e respeitados críticos da literatura no Brasil, Antonio Candido publicou "O direito à literatura", texto marcante sobre literatura, direitos humanos e desigualdade social. Com uma voz eloquente, o autor aborda os temas de forma inteligentíssima através de uma linguagem de fácil entendimento. Indispensável para a compreensão da literatura como fator de inclusão, combate e autoconhecimento. Este texto é de 1988, publicado no livro "Vários Escritos" (1995) pela editora Livraria Duas Cidades, São Paulo.

Esta é mais uma resenha para iniciar a leitura de forma ciente.

Para ler a resenha, clique AQUI.

Resenha de "A invenção dos direitos humanos" de Lynn Hunt

O livro "A invenção dos direitos humanos", de Lynn Hunt, professora de história da Universidade da Califórnia, traz uma interessante abordagem acerca do tema, descrevendo como o conceito dos direitos humanos surgiu, suas primeiras caracterizações e os debates que ocasionou ao longo dos séculos até chegar aos dias atuais.

Descrevendo e refletindo as ideias de Hunt, publicamos uma resenha para que você possa ter um ponto de partida para o texto da autora.

Para ler a resenha, basta clicar AQUI.

"O ex-mágico da Taberna Minhota" de Murilo Rubião


Murilo Rubião foi um escritor e jornalista mineiro nascido em 1916 e que veio a falecer em 1991. Sua forma de retratar o insólito em suas narrativas, transformando a realidade e seus problemas em um mundo fantástico, foi muito comparada por críticos até a Franz Kafka, autor de "A Metamorfose" - obra que também será tratada futuramente neste blog.

Em um de seus contos mais conhecidos, "O ex-mágico da Taberna Minhota", do livro "O ex-mágico" (1947), é um ótimo exemplo de como extrair magia do cotidiano banal. O conteúdo desta história é perpetrada pelo conceito dos direitos humanos: um "mágico" que encontra dificuldades em se adequar a uma sociedade homogênea que não aceita o diferente em seu meio. O personagem principal tenta se adaptar ao meio através da negação da sua própria personalidade e identidade, para tentar não ser mais um "estranho".

A angústia e o desamparo do personagem já transparece no trecho bíblico que serve de prefácio ao conto: "Inclina, Senhor, o teu ouvido e ouve-me; porque eu sou desvalido e pobre".

Douglas P. Coelho

Para ler o conto na íntegra, basta clicar AQUI.
Boa leitura!
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