Como resultado de uma opressão histórica acometida por séculos, o final do século XIX e início do século XX viu emergir um incipiente movimento de liberação feminina. O feminismo ganhou diversas formas, como agremiações políticas formadas por mulheres para reivindicar seus direitos e o feminismo artístico, do qual está inserida a grande Virginia Woolf e algumas outras predecessoras das quais ela aclamou em seu livro "Um Teto Todo Seu", publicado em 1929. Antes de começar a comentar sobre o livro, falemos um pouco sobre o movimento feminista.
O feminismo trouxe aos poucos uma série de avanços para as mulheres dentro da sua convivência na sociedade, do qual pode-se destacar o direito ao voto e à propriedade privada - o primeiro sendo alcançado nove anos antes do livro de Virginia vir a ser lançado e o segundo reclamado no mesmo livro -, o direito a salários igualitários, além é claro de autonomia da sua vontade e proteção no que diz respeito à integridade física e moral. E tudo isso reflete em mais um fator específico: a facilitação da possibilidade para a mulher adentrar no campo da arte e da literatura, o que antes era praticamente impossível, visto que devia cuidar das tarefas caseiras, dos filhos e do marido, além de que seu talento era menosprezado e desacreditado.
Este fato, das dificuldades que as mulheres encontravam para exercer o seu talento literário e artísticos é explorado por Virginia na criação de uma figura, Judith, a hipotética irmã de Shakespeare. A autora escreve que Judith tinha os mesmos dons literários que o irmão, a mesma aptidão, só que com um porém: como mulher, deveria estar ocupada com outros afazeres, domésticos, e se tentasse se dedicar a escrever seus versos e suas histórias, seria automaticamente repreendida pelo pai. Virginia escreve:
"Um gênio como o de Shakespeare não nasce entre pessoas trabalhadoras, sem instrução e humildes. Não nasceu na Inglaterra entre os saxões e os bretões. Não nasce hoje nas classes operárias. Como poderia então ter nascido entre mulheres, cujo trabalho começava, de acordo com o professor Trevelyan, quase antes de largarem as bonecas, que eram forçadas a ele por seus pais e presas a ele por todo o poder da lei e dos costumes? Não obstante, algum talento deve existir entre mulheres, como deve ter existido entre classes operárias." (WOOLF, 1985. p. 61-62)Woolf chega à conclusão de que "a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo dela se pretende mesmo escrever ficção", exorta as outras mulheres a buscar e ansiar pela sua emancipação financeira e autonomia de vida. Essa necessidade é julgada necessária ao se observar o crescimento da literatura de produção feminina após o século XVIII, sendo ampliada no século XIX até desembocar na época vivida pela autora. Virginia também enxergava a oportunidade desigual a que chegava para homens e para mulheres no que tange à educação e acesso a livro do cânone literário, o aprendizado de latim para leitura de Homero, Virgílio, Ovídio e outros nomes da Antiguidade. O caminho que a mulher era obrigada a percorrer deveria ser modificado de compromissos domésticos ao casamento, para o que ela própria talhasse.
"Um Teto Todo Seu" é um poderoso ensaio crítico, originalmente utilizado, em forma mais compacta, em palestras administradas pela própria Virginia Woolf para um público feminino na Sociedade das Artes, em Newnham. Unindo ficção com acontecimentos reais, sua relevância para o contexto da época e, por que não, para os dias de hoje ainda, é algo transformador, esclarecedor da condição feminina e convidativo para a reflexão e para a mudança.
Douglas P. Coelho
Referência Bibliográfica:
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Nova Fronteira, 1985.
Você pode ler o ensaio completo clicando AQUI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário